quinta-feira, 8 de agosto de 2013

JOÃO-DE-BARRO

a Literatura é um grito de desespero, eu estou gritando, viu, eu estou gritando, você me ouve, você tem que me ouvir, tem paredes demais aqui nesse bairro, mas você pode me ouvir, eu sei, é com os ouvidos da alma que a gente ouve.
lá em tiradentes, minas, um amigo meu aponta pra uma árvore enquanto bebíamos uma cervejinha por volta das onze da manhã: olha uma casinha de joão-de-barro, ele diz. e todos nós, nós que vivemos neste bairro cheio de paredes, ficamos deslumbrados e amamos de todo o peito o joão-de-barro e sua engenharia. aquilo tudo era por demais divino, aquela arvorezinha, aquela casinha de barro feita por mãos não humanas, divinas, forjada a bico e vida, era demais pra gente, aquela casinha feita pelo joão-de-barro, um capricho de Deus, talvez, se ele existisse -- disfarço minha crença, ainda mais porque a crença é minha --, um capricho realmente divino, um adorno de vida que chegava a doer de tanto nos alegrar.
não, não devíamos nunca ter voltado pra esse bairro cheio de paredes, e olhos, e ouvidos, os acessórios todos que seguem as paredes. que prisão meu Deus!, que prisão esse bairro que tanto amamos. amamos a prisão?
outra vez na padaria, eu conheci o amigo de um amigo meu. drogadão. sua constituição era de geléia, geléia vestindo uma camisa surrada, suja, fedida. já foi um cara bonito, disse meu amigo, esse cara já foi bonito, surfava pra caralho, só passáva com mulhé gata... mas, ele caiu no vício da cocaína, e agora tá assim, esquizofrênico, perdido.
e esse amigo dizia que precisava de dinheiro praquela noite -- claro --, que precisava porque fora assaltado os caras me levaram tudo briguei com eles mas levaram tudo, falava de sua geléia em movimento, movimento contínuo, mas, somos presos?...
ele dizia, ainda, enquanto caminhávamos até uma banca de jornal vinte-quatro-horas pra comprar cigarro, ele dizia algo sobre um purê de inhame que serviam lá -- somos presos? -- e que ele tinha que comer aquilo e comia aquilo aquela coisa, aquela coisa era mole, pegajosa, e ele tinha que comer, eu tinha que comer mas agora eu tô aqui arrumei trabalho mas tô precisando de grana,
e seus pés sujos sujos imundos, pretos, por aquelas calçadas de copacabana...

joão-de-barro, que bonita a tua casa, você mora em mim,
você mora em mim.


antônio bizerra

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