quinta-feira, 15 de agosto de 2013

ENXERGAR


a consistência de seu texto estava justamente na qualidade de vento que ele tinha; sua fluidez, naquele quê de chuva que lhe corria no espírito; toda sua palavra tinha assim essa mistura de fluidos, algo como que o casamento do azul com o laranja ao pôr-do-sol, essa junção de coisas plenas de energia em si, e que deságuam numa palavra que explode em mil acepções de uma cor-de-sol, única...

para se escrever é necessário ser alquimista, alguém que se inclina ao estudo das combinações de elementos, de elementos densos como as cores, de elementos aéreos como os reflexos, bem como de seus anteparos, como os semblantes e os espelhos, respectivamente para cada classe de elementos.

após uma xícara de café, por exemplo, é possível perceber a transparência de tudo, esse caráter diáfano que está até nas coisas mais opacas e densas. tudo, por si só, já se trai em si mesmo. após uma xícara de café, enquanto sua qualidade de negrume, seu atributo primordial de tinta nanquim, seu princípio, começa a circular ao longo dos nossos meridianos, em comunhão com essa nossa parte invisível que circula, essa energia que dá vida, é possível mesmo que se perceba a transparência de tudo, e, com isso, é possível preencher a matriz vazia das acepções de uma palavra,  essa alma que se entremeia pelos seus corpos de som, e por seus corpos de letras grafadas, é possível dotar a palavra com a visão que os olhos perderam, perderam por nascerem para ver. é possível dotar, portanto, o espírito com a faculdade de ver, e esse ver do espírito se chama enxergar.



antônio bizerra

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