quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

[... até o fim da ladeira]

Respiro fundo: céu e chão em meus pulmões. Respiração mundana, plena. Cinza e azul, meu sangue, cinza-azul, poeira e nuvem. Então expiro, repleto desse tudo, repleto desse mundo.

A palavra tem que ser essa coisa cheia de espírito, fôlego, vida. Uma vida que enche as veias, o coração. Uma vida líqüida, fluida-cristalina, numa dinâmica fluida, galopante. Tudo que é imaterial vai se condensar no sangue, como tudo que é invisível vai se sentir na pele. Então, o sangue é isso tudo, esse tudo, hidrodinâmica escondida que nos faz escalar ladeiras imateriais, ladeiras de uma ascese mais que lenta.

E para o mais a vida nos dá pés de Mercúrio para cruzarmos esse tempo de testemunho, o maior traslado que nos cabe fazer, para contarmos, mais a frente, ainda em tempo, ainda, as agruras e penas de nossa travessia. Pés rápidos para uma trajetória bípede, olhar lento para palavras múltiplas. Nossas marcas no tempo, essa areia que apaga. Ao inverso do tempo, as pegadas na areia do espírito, que é mais terra porque chão, que é mais lama porque vida.


Pela ladeira um ônibus cheio de gente se esgueira agora, devagarinho como boi no inclinado de uma paisagem, descendo -- mas esse boi nunca está descendo quando olhamos. E dentro do ônibus muitos olhares surpreendidos -- comigo? escrevendo na padaria... apesar de conhecerem já o seu itinerário (apesar de conhecerem já o seu destino?).

Pensei em Heráclito...
Sim: no nascer do pensamento, até o fim da ladeira.



Ouro Preto, 11 de novembro de 2010


antônio bizerra