segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Montanha russa

Era a lata de lixo mais feliz do mundo. Morava num parque de diversões, pertinho da montanha russa e não muito longe da barraquinha de cachorro quente. Adorava aquele aroma de pimentão que emanava intenso da panela velha em que se misturavam os gostosos ingredientes. Era bem velha essa panela, ela sabia, mas a clientela, não. Mas era o melhor cachorro quente da cidade, ouvia o povo dizer.

A lata adorava o jazz da Mec FM que um faxineiro escutava solitário ao seu lado, com os fones de ouvido no volume mais alto. Se ele soubesse o quanto ela gostava de jazz... jazz é sujo! melhor que os clássicos que tocavam nas fanhosas caixas de som do parque.

Quando o passeio terminava, um grupo de pessoas cambaleantes tal como bêbados caminhava em sua direção. Enfiavam-lhe a cabeça e vomitavam toda uma semana de sapos engolidos e misturas indigestas de comidas a quilo. Sua boca estava sempre aberta e se regozijava com os banhos seguidos. Ficava feliz, lá, suja por dentro e por fora.

No fim do expediente, o faxineiro começava a limpá-la, surdo às suas súplicas desesperadas para que parasse - não! não! não!. Fechava com força os olhos que não tinha: ser limpa de todo vômito lhe causava uma forte sensação de solidão. Era como se seu corpo estivesse nu, no vácuo, tal como os corpos em órbitas, nus, solitários; sentia-se a própria Terra em sua deriva serena pelo espaço. Não! não! não!, fechava assim os olhos e se abraçava com braços que não tinha. Chegava mesmo a sentir seu corpo rijo se contorcer todo. Súbito, um som metálico como uma campanhia insistente se assoma no espaço escuro de seu desespero. Sente seu corpo limpo e em algum outro lugar, horizontalmente, com a boca um pouco pra baixo. Percebe-se numa cama e deitada. O seu grito é surdo pois a garganta é seca. Abre os olhos rápido e vê um despertador tocando na escrivaninha de um quarto. Está deitada. Assusta-se com a hora. Levanta-se e corre para o banheiro: não pode se atrasar para a primeira aula do semestre no Fundão.




antônio bizerra

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