sábado, 25 de junho de 2022

A minha escrita é uma escrita que une, e não uma escrita que segrega; nenhum grão é igual ao outro, mesmo que ao olhar distraído -- ou destreinado -- assim se pareça;
embora eivada de mistérios em sua palavra, em sua veia poética e desafiadora, minha escrita é a que congrega, e, não, a que desune.



(22 de novembro, 2021)

domingo, 8 de agosto de 2021

nenhuma perturbação no espírito, nenhuma agitação na superfície do lago...
tento fugir da expressão poética mas tudo o mais fora disso é estéril.
escrevo agora somente para acompanhar meu café
ou apenas para estar em sincronia com os passos da alma, os pulsos, o pulsar.
escrevo como identidade de mim mesmo, quem eu realmente sou, esse que surgiu antes de mim mesmo e que é tão mais eu do que eu mesmo para mim agora sou.


           *      *       *


Não pensar mas apenas sentir. A expressão sincera é aquela que salta do silêncio interior, aquela que pula como peixe na superfície de um lago. Esta palavra que pula da profundidade deve ser apreendida, apreendida em sua forma apenas, forma bruta, fotografada pelo olhar, fotografada enquanto cumpre sua trajetória efêmera no ar, a palavra-peixe que se arroja no espaço, breve hipérbole de algo que salta do silêncio...



19 de março de 2021.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

[TÓPICOS]


Há ainda uma ansiedade, uma espera angustiosa por alguma mudança. Há movimento também, no entanto, uma busca, porém uma busca ainda não isenta desta espera que causa angústia. Mantenho-me em movimento, sabendo que não há retorno nesta vida.

Paro um pouco por este momento, paro tudo para escrever. Escrever é um mergulho na alma e, portanto, é muito raro encontrar quem pratique isso, a escrita, o mergulho.

Ousadia...

Talvez eu esteja muito enganado quanto a mim mesmo. Julgo-me um homem sem coragem mas tenho coragem de parar tudo para escrever... e ficar sozinho, sozinho como somente aqueles que são realmente corajosos e com um propósito claro e correto quanto à sua verdadeira busca, a busca espiritual.

Parece que já se nasce com essa característica: ser um buscador.

Buscadores são pessoas solitárias. Ou, ao menos, sabem que somos solitários embora a maioria tente ao máximo abafar esta verdade.

Vejo-me agora escrevendo em primeira pessoa, ou, melhor dizendo, em primeiríssima pessoa, eu com todas as minhas incertezas, eu, com todos os meus medos e os meus fantasmas. E estou em um bistrô agora, em uma plena quinta feira, já de noite, de noite e movimentada, plena, sem dúvida, plena.

O país está em crise?... Às vezes não parece. Os homens, por sua vez, esses estão sempre em crise, crise de identidade, sei lá.

Mas, o que ainda me incomoda na alma, tal como pedrinha dentro do sapato, é o torto julgar o certo por errado, quero dizer, o homem que procura ao máximo agir da forma certa ser julgado pelo torto como errado... Isso ainda incomoda um pouco.

Os homens aqui no bistrô estão assistindo ao jogo na tevê. É só o que se vê nesta terra... Haverá outras? ou estas já são as outras sonhadas pelos navegadores de outrora? Bem, outras, sim, não há.

Apenas, cansei de não ser. O que sou, afinal?

Pouco importa.

Cansei apenas é de não ser.


( Rio, 7 de novembro de 2019)



antônio bizerra

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

[(IN)GRATIDÃO]



Muitas e muitas vezes eu me pego imerso em pensamentos densos, conduzidos por ressentimentos, esses sentimentos sempre de caráter imaturo, infantil -- sendo que por vezes as crianças são tão mais maduras que nós -- que eu vejo nitidamente, no flagrante deste momento interior, o quanto eu, por vezes, demonstro-me ingrato perante a vida. Por tantas e tantas vezes eu desejei ser curado de mazelas, essas moléstias que não nos fulminam mas roubam de nós o nosso bem-estar, tantas e tantas vezes eu desejei profundamente e fui curado; e tantas e tantas vezes desejei que novos caminhos se abrissem para mim para que eu pudesse mesmo escapar de momentos e situações e lugares -- tudo isso sendo da mesma "dimensão física" por fim -- densos e tenebrosos e fui atendido pela, digamos, Providência Divina... Tanto o que eu recebi sob forma de dádivas, simples e resplandescentes, mas, mesmo assim, pego-me por vezes em momentos de ingratidão...
Sim, devemos examinar bem toda a nossa trajetória de vida e perceber o quanto devemos ser gratos.
Mas, se em um dado momento não possamos mesmo ser gratos, não poder receber no peito essa dádiva chamada gratidão, procedamos ao simples exercício de observar em volta e ver a miséria de tantos e o quanto nossa ingratidão se revela tão mais obscura, mesquinha.
Mas, sim, aprendizado é sempre longo e, por vezes, confundimos demasiadamente as matérias e a confusão pode nos levar a uma perplexidade tal que irá certamente gerar uma enorme ansiedade e, mergulhados em profunda ansiedade, pensaremos que para nos curarmos será necessário -- obrigatório!, entenda-se assim -- sairmos de nós-mesmos para, em um ato quase que por completamente desesperado, ajudarmos aqueles que perante nossa observação ao redor estão em verdadeiro e urgente estado de miséria...
Mas, NECESSÁRIO se faz, em primeiro lugar: curarmos a nós-mesmos. Porém, fica para o próximo texto esta ponderação.
Reflitamos, por enquanto, neste tema: (In)gratidão 🙏🏻


(20 de janeiro de 2020)



antônio bizerra

sábado, 30 de novembro de 2019

TRÊS MINI-CONTOS



A BONDADE DA CORÇA


Conta uma lenda que uma corça vinha por uma trilha no bosque, muito feliz por apenas estar, sob uma tarde de sol ameno, dessas tardes que o sol retina notas tão suaves por entre as folhas das copas, quando de súbito assoma-se à sua frente um terrível demônio, medonho como a mais medonha criatura que nunca nem estivera em um sonho medonho da gente qualquer. Então, muito serena, com seu olhar doce e tácito, a corça pausa o seu passo e passa a observar o demônio, que logo passa a fazer toda sua encenação pavorosa, bradando em horripilante tom que se a corça prosseguisse ele iria fulminá-la com um raio terrível. E enquanto o demônio dava tudo de si, tal como fosse o pior dos atores, a corça apenas observava com doçura e condescendência as evoluções capengas e afetadas do desengonçado demônio que recorria a todos os seus recursos de efeitos especiais para promover na alma da corça um mínimo de susto que fosse ou, ao menos, uma hesitação qualquer que cintilasse pelo doce olhar da corça, porém, debalde. Então, após muito se esforçar, o demônio começa por diminuir o ritmo e a dinâmica de sua apresentação teatral e simplesmente para e fica a olhar para a corça que continua a fitar o demônio e, apascentado e admirado com a corça, abre passagem em seu caminho e permanece ali, a observar a corça seguir em paz e calmaria pela trilha, sob aquela tarde de sol ameno.


( 20 de novembro de 2019)


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A VAIDADE DO DRAGÃO


Conta-se uma lenda que o dragão era um mago exímio e cujo poder deixava a todos maravilhados. Todos os dias o dragão realizava prodígios que outros magos tentavam e tentavam, mas não se equiparavam nunca à altura dos feitos do dragão. Vinham magos até mesmo de outros reinos, reinos vizinhos e reinos distantes, porém nunca surgia alguém páreo às suas façanhas. E ao contrário do que sempre nos fora contado, o dragão não era um ser do mal e sua única pecha era mesmo ser muito vaidoso. Um dia, porém, surge um forasteiro, um homem realmente muito estranho, com vestes muito estranhas, oriundo talvez de terras desconhecidas e talvez até mesmo de terras nenhumas, conforme rezassem certas crenças do povo deste reino, e esse homem lança um desafio ao dragão, sabendo de antemão da fraqueza de nosso fabuloso mago de coração puro e terno: "se vós sois mesmo um grande mago, certamente conseguiríeis transformar-se em uma libélula", e o dragão, esforçando-se por não dar ouvidos àquele estranho homem, prosseguia em suas exibições e manobras fantásticas até que, em um dado momento, ele olha fixo nos olhos do forasteiro de olhar firme e hipnotizador e diz: "duvidas?"; "duvido!", e, então, o dragão concentra suas forças, recita palavras misteriosas e, de um movimento vigoroso e rápido arremessa algo ao chão que explode em uma fumaça densa e assustadora que o encobre de todo e, por fim, perfaz-se o encanto... e eis que até hoje as libélulas povoam os bosques e os jardins e, o dragão, este, somente o nosso coração e o nosso imaginário.


(30 de novembro de 2019)


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A INCERTEZA DE ORFEU


Conta-se a lenda que Eurídice, a musa de Orfeu, em uma bela tarde enquanto caminhava pelo bosque, é atacada por um fauno que desejava possuí-la e, assim, em desenfreada fuga, ela é mordida por uma víbora no tornozelo e morre. Orfeu, inconformado com o duro destino de ter de viver sem a sua amada, resolve descer à mansão de Hades para tentar o que nunca a nenhum mortal fora jamais permitido: reaver da morte uma pessoa tão querida. E conforme Orfeu fosse poeta e músico tão exímio, ele consegue tocar o coração frio do senhor das gélidas moradas do Inferno que permite ao divino músico que este conduza pelas trilhas áridas e pedregosas do Érebo sua amada até a superfície da Terra porém com uma fatal condição: "tu caminharás à frente de tua amada que o seguirá em profundo silêncio; se tu olhares para trás antes de chegar à superfície, ela voltará para cá e tu a perderás para todo sempre". Assim, segue o nosso herói sua ansiosa e sôfrega subida do Érebo, tendo sua amada seguindo-o em assustador silêncio. Com o passar das horas, Orfeu sente-se cada vez mais compelido pela incerteza a olhar para trás. E, assim, tantas vezes ele hesita, mas se contém, e tantas vezes porém que ele se contém que, finalmente, dominado pela incerteza, ele torna sua cabeça para trás e um grito pavoroso ecoa pelos vales do Inferno enquanto sua amada é arrebatada de volta ao Hades, e nosso ansioso herói retorna sozinho e desconsolado ao mundo.


( 9 de dezembro de 2019)


antônio bizerra

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Todos sempre muito ocupados com suas vidas e parece que minha poesia não encontra ouvidos... Ou, pelo menos, sejam talvez meus ouvidos que não encontram as respostas para os meus poemas. Mas eles existem e estão por aí, vivos, no mundo.
Acabei de comprar um livro: O lobo da estepe. Eis o que sou: o lobo da estepe, solitário, andarilho... Esse livro por sobre a mesa desse café é um espelho. Toda a mesa, aliás, um espelho. E estes guardanapos e este lugar todos, enfim, espelhos.
Que meus espelhos refletem somente meu espaço interior. Meus espelhos...
Cada qual elege seus próprios espelhos.


(B. Aires, 23 de dezembro de 2018)

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antônio bizerra

domingo, 10 de março de 2019

Pensamos sobre a doença do mundo e, examinando com cuidado, percebemos que ela é incurável e que na verdade não seria uma "doença do mundo" mas a inata e sempre contemporânea doença da humanidade. E para aqueles que são generosos e dotados de uma capacidade cada vez mais rara de refletir sobre tudo, para esses, a doença da humanidade é contagiosa e pode ser contraída; esses que possuem pureza de intenções e clareza em seus propósitos são naturalmente vulneráveis ao mal da humanidade e em seu espírito pode esse mal se instalar e se espalhar por todo seu ser como um vírus da alma, um vírus que se alastra e para o qual o tratamento exige postura firme em busca da cura, uma postura que deverá nascer no fundo do espírito daquele de coração generoso... E bem sabemos o quanto é difícil ter uma postura firme assim quando nos vemos prostrados e confusos devido a um mal que nos atinge na alma... Exige ação... Sim, somente isso: ação.
Cada qual é mestre de seu próprio universo mas desde pequenos somos ensinados o contrário. O potencial para a cura do espírito jaz em nosso próprio ser, resta em nosso próprio ser, tranquilo e paciente, esperando somente por que lhe demos a partida...
Cabe ação. Para tudo, ação. Movimento interno. A mente é movimento interno, e perpétuo, por exemplo. Observemos nossa mente. Não os pensamentos, mas a mente em si. Observemos e aprendamos por meio deste observar.
Mas, o que devemos de fato dominar é o mover interno de nossa própria energia de vida.
Como fazer?...
Cada qual é mestre de si próprio, tudo está dentro de nós.
Cabe descobrir(-se).
Como?...
Cada qual é mestre.
Mas, posso propor algo, um ponto de partida: estejamos sempre em ação.



antônio bizerra


( 9 de março de 2019)

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Um café pingado, no copo, e não em uma xícara. daquelas de cafezinho mesmo, um bloco de papel sobre a mesinha da padaria, uma caneta, e um universo de palavras e pensamentos e imagens para se jogar nesta folha em branco, em branco, por enquanto. Para um momento como esse, simples e pleno, nada mais é preciso. Porque este momento e eu somos um só, eu, o momento e estas poucas coisas por sobre a mesa e a mesa em si e esta cadeira, tudo, uma coisa só. E essa coisa só se expande por este corpo de palavras encadeadas que se chama texto. E vou me estendendo, me estendendo por esta folha em branco porque todo meu ser ocupa espaços, espaços em torno e espaços distantes, vários, múltiplos, diversos mas concomitantes, ocupados por mim neste mesmo instante. Porque, neste momento, penso em amigos, penso em conhecidos, e meu pensamento é extensão de meu ser que vai ao contato dessas pessoas e habita, neste momento, o espaço e o tempo de suas mentes, de cada qual de seus seres. Sou ubíquo no tanto que sei de mim mesmo não apenas um corpo físico mas um ser que se expande...
E habito sua mente agora.



antônio bizerra

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11 de agosto de 2018

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

nos espaços vazios sou teu corpo de silêncio e vidro sou o teu sopro neblina resina fantasma por sobre manhãs e horas densas do fim de um dia
sou um corpo inexistente de veludo e lúdico parente das violetas e outras espécies mudas que insistem numa esquina e são apenas
a convergência de olhos em forma de folhas o encontro de abelhas e flores a visão e as cores de onde se gera os corpos de silêncio e vidro inexistentes e habitantes desses espaços vazios tão pedestres como o movimento e
o tempo de flores abelhas e folhas...


Rio, 14 de janeiro de 2011

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antônio bizerra

sábado, 10 de dezembro de 2016


e no escuro imagino que há um espelho onde se reflete meu rosto escuro e me assusto com o que não vejo. me assusto com esse rosto convincente cuja imagem desobediente ao olho cego se forma em minha cabeça. e inclusive não gosto dessa cabeça no escuro essa cabeça que se vê de dentro de si mesma e do espelho escuro. e ainda me atrevo a olhar para os lados embora no escuro os lados possam ser a frente e a frente as costas daquilo que não vê e nem se tem. se eu já fosse cego de nascença e minha visão fosse o tato então tudo se teria. mas assim não sendo cego de nascença nem de momento algum nada se tem mergulhado nesse espaço cego porque não o vejo


Rio, 24 de janeiro de 2013

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antônio bizerra