quinta-feira, 15 de agosto de 2013

ENXERGAR


a consistência de seu texto estava justamente na qualidade de vento que ele tinha; sua fluidez, naquele quê de chuva que lhe corria no espírito; toda sua palavra tinha assim essa mistura de fluidos, algo como que o casamento do azul com o laranja ao pôr-do-sol, essa junção de coisas plenas de energia em si, e que deságuam numa palavra que explode em mil acepções de uma cor-de-sol, única...

para se escrever é necessário ser alquimista, alguém que se inclina ao estudo das combinações de elementos, de elementos densos como as cores, de elementos aéreos como os reflexos, bem como de seus anteparos, como os semblantes e os espelhos, respectivamente para cada classe de elementos.

após uma xícara de café, por exemplo, é possível perceber a transparência de tudo, esse caráter diáfano que está até nas coisas mais opacas e densas. tudo, por si só, já se trai em si mesmo. após uma xícara de café, enquanto sua qualidade de negrume, seu atributo primordial de tinta nanquim, seu princípio, começa a circular ao longo dos nossos meridianos, em comunhão com essa nossa parte invisível que circula, essa energia que dá vida, é possível mesmo que se perceba a transparência de tudo, e, com isso, é possível preencher a matriz vazia das acepções de uma palavra,  essa alma que se entremeia pelos seus corpos de som, e por seus corpos de letras grafadas, é possível dotar a palavra com a visão que os olhos perderam, perderam por nascerem para ver. é possível dotar, portanto, o espírito com a faculdade de ver, e esse ver do espírito se chama enxergar.



antônio bizerra

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

JOÃO-DE-BARRO

a Literatura é um grito de desespero, eu estou gritando, viu, eu estou gritando, você me ouve, você tem que me ouvir, tem paredes demais aqui nesse bairro, mas você pode me ouvir, eu sei, é com os ouvidos da alma que a gente ouve.
lá em tiradentes, minas, um amigo meu aponta pra uma árvore enquanto bebíamos uma cervejinha por volta das onze da manhã: olha uma casinha de joão-de-barro, ele diz. e todos nós, nós que vivemos neste bairro cheio de paredes, ficamos deslumbrados e amamos de todo o peito o joão-de-barro e sua engenharia. aquilo tudo era por demais divino, aquela arvorezinha, aquela casinha de barro feita por mãos não humanas, divinas, forjada a bico e vida, era demais pra gente, aquela casinha feita pelo joão-de-barro, um capricho de Deus, talvez, se ele existisse -- disfarço minha crença, ainda mais porque a crença é minha --, um capricho realmente divino, um adorno de vida que chegava a doer de tanto nos alegrar.
não, não devíamos nunca ter voltado pra esse bairro cheio de paredes, e olhos, e ouvidos, os acessórios todos que seguem as paredes. que prisão meu Deus!, que prisão esse bairro que tanto amamos. amamos a prisão?
outra vez na padaria, eu conheci o amigo de um amigo meu. drogadão. sua constituição era de geléia, geléia vestindo uma camisa surrada, suja, fedida. já foi um cara bonito, disse meu amigo, esse cara já foi bonito, surfava pra caralho, só passáva com mulhé gata... mas, ele caiu no vício da cocaína, e agora tá assim, esquizofrênico, perdido.
e esse amigo dizia que precisava de dinheiro praquela noite -- claro --, que precisava porque fora assaltado os caras me levaram tudo briguei com eles mas levaram tudo, falava de sua geléia em movimento, movimento contínuo, mas, somos presos?...
ele dizia, ainda, enquanto caminhávamos até uma banca de jornal vinte-quatro-horas pra comprar cigarro, ele dizia algo sobre um purê de inhame que serviam lá -- somos presos? -- e que ele tinha que comer aquilo e comia aquilo aquela coisa, aquela coisa era mole, pegajosa, e ele tinha que comer, eu tinha que comer mas agora eu tô aqui arrumei trabalho mas tô precisando de grana,
e seus pés sujos sujos imundos, pretos, por aquelas calçadas de copacabana...

joão-de-barro, que bonita a tua casa, você mora em mim,
você mora em mim.


antônio bizerra

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

CASA


...a leitura daquele conto realmente mexeu comigo. no entanto, sentia-me em casa enquanto o lia, em casa de amigos, amigos mesmo, o desdobramento do nosso lar, esse, que vai dentro da gente, coisa meio de caracol; mas, ao mesmo tempo, sentia um incômodo, um incômodo que ainda não era realmente incômodo, como se a alma desse incômodo estivesse já presente, mas o incômodo não: um incômodo que ainda não incomodava.
terminado de ler o conto, voltei para a conversa deles, munido agora de uma mesma dor... sim, uma mesma dor talvez. não talvez. sim, a mesma dor, embora eu nem saiba bem qual seja.
era madrugada, ontem, ontem e hoje, hoje, agora: esse incômodo.
mas ao mesmo tempo, eu estava feliz. felicidade... qual foi a última vez que eu senti isso? não, agora, disparou, disparou tudo. era isso. era isso então, disparou o escritor que queria, mas temia. não, aí estou sendo sincero demais. ou estou desviando da dor.
não, não era dor. era só o incômodo. mas o incômodo virou dor. dor. já sei: a alma da dor era o incômodo. chega. isso me assusta. é melhor apenas sentir do que falar.
aquele conto mexeu mesmo comigo. sim, a felicidade:
voltar a sentir(-se).


antônio bizerra

sábado, 27 de julho de 2013

CARDINALES



Templanza... la única cosa que realmente importa. Un hombre tiene que satisfacer sus deseos y sus necesidades para que pueda realmente ser un individuo para la sociedad. Un hombre no satisfecho será un hombre distante de cualquier virtud, inútil para con el prójimo, será un hombre con faltas, de constitución frágil.
Sin embargo, para satisfacer sus deseos y sus necesidades, es necesario templanza.
Templanza mismo hasta con el prójimo.

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Una transformación. Dentro de si. Y todo puede modificarse alrededor. Otros sabrán, a veces de un saber que no se sabe, más que se siente.
Una transformación, por pequeña que sea, sin embargo, efectiva.

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Construir con palabras, tejer la red humana. La palabra que busca, lanzada con la intención de unir los puntos de vista y no de refutar los contrarios.
La red humana, que es humana y funciona.

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Cuando se comienza a ser aquello que es, ahí si se puede producir mucho, fluir... Tiene que ser así, ser para lo que se nace, ensayar siempre en la sinceridad de uno mismo, evitar papeles ajenos.
Ahora estoy siendo lo que soy, escritor... Tengo libros para vender, más no soy vendedor.
Lo que será, Dios me dará.
Yo agradezco.

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Versão para o espanhol de Maria Eugenia Rodriguez Solis.

(texto original: http://destarteatarde.blogspot.com/2011/09/cardinais.html)